Igreja de S. Martinho de Caramos
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Igreja de S. Martinho de Caramos

Felgueiras; Igreja de S. Martinho de Caramos, Meditar, Visitar, Imperdíveis

Descrição

Caramos viveu ao longo dos séculos em torno do seu mosteiro dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho.

De fundação medieval viveu tempos de prosperidade económica e espiritual até ao século XV, possuindo bens disseminados um pouco por toda a região inclusive propriedades em Vila Real e Guimarães, altura em que começa o seu declínio.

As suas dificuldades acentuam-se no século XVI com a passagem da gestão dos seus bens para comendatários que agudizaram os problemas da centúria anterior.

Em finais do século XVI é anexado ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra onde permaneceu até 1770. Na primeira metade do século XVII é encetada a construção do novo mosteiro e igreja, tal era o estado do velho mosteiro medieval.

Com a extinção do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, Caramos é anexado ao Mosteiro de Mafra, tendo sido vendidas partes do mosteiro e assento a particulares em 1772.

 Em 1792 o Mosteiro de Mafra é extinto e Caramos é anexado ao Mosteiro de Santa Maria de Refoios de Ponte do Lima até a extinção das ordens religiosas em 1834.

O edifício tal e qual o vemos hoje regista as marcas da sua historiografia a partir do século XVII, da qual ainda resta uma ala do mosteiro e a igreja que foram sendo profundamente remodelados até ao último quartel do século XVIII (saber mais).

De finais do século XVII inícios do século XVIII podemos admirar um conjunto de sete capelas que integram o Calvário ou Via Sacra e caracterizam sete quadros do Senhor até a crucificação no Calvário. Tradição religiosa secular que se manteve até aos dias de hoje e se repete quinze dias antes da Pascoa (saber mais).

O Calvário ou Via Sacra e Capela do Encontro está classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1945 (Decreto-Lei nº 34452, DG 59 de 20 de Março de 1945).

A Igreja de São Martinho, paroquial de Caramos está classificada como Imóvel de Interesse Público desde 2017 (Portaria nº 367/2017, DR 203 de 20 de Outubro).

A igreja de S. Martinho de Caramos está localizada na zona limítrofe da freguesia de com o mesmo nome. Em zona de vale e isolada do aglomerado habitacional, esta igreja integra um antigo mosteiro dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho de fundação medieval.

O cenóbio medieval terá sido fundado em 1090 por D. Gonçalo Mendes, membro da Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, e sagrado pelo arcebispo de Braga, D. João Peculiar, no ano de 1141 (Simaens 2013: 38).

Segundo a tradição, a fundação deste mosteiro estará ligada as conquistas cristãs preconizadas por D. Nuno Mendes, pai do fundador do convento, exaltando os seus homens e apelando a S. Martinho para os orientar até a vitoria. Após a sua vitória da batalha em 1068 mandou aí construir uma igreja dedicada a S. Martinho (Simaens 2013: 38).

A imagem de muitos outras casas monásticas o seu património ditava a sua importância, sendo essas propriedades de natureza e origem variada. De Caramos só ficamos a conhecer o seu património na segunda metade do século XIII, ainda que parcialmente.

Nas inquirições de 1258 percebemos que o mosteiro possuía 21 casais na freguesia de Caramos, e 56 outros casais que se distribuíam pelas freguesias de Aião, Airães, Borba de Godim, Friande, Macieira da Lixa, Moure, Refontoura, Santão Varziela e Vila Cova. Nestas mesmas inquirições também é patente que partilhavam ainda o padroado da igreja de Macieira da Lixa e Pinheiro com a aristocracia (PMH, Vol. II, Fasc. IV e V: 548-558, 660). Para além destas propriedades no julgado de Felgueiras, em 1220 e 1258, possuía casais em Santo Estevão de Barrosas (meio casal), S. Romão de Arões (1 casal) e S. Clemente de Sande (3 casais) (VMH, Vol. II: 139, 162, 224, 228).

Aparentando algumas dificuldades financeiras em finais do século XIII, este cenóbio beneficia da anexação de três igrejas (S. João de Várzea, S. Mamede de Arentei e Santa Eulália de Arnozela) e privilégio de colocar um religioso do mosteiro em outra (Santa Leocádia de Macieira). Esta anexação foi promovida pelo arcebispo de Braga, D. Frei Telo (16º senhor de Braga), em 1287 para potenciar a recuperação do mosteiro. Ainda no final do seculo XIII D. Dinis doou o padroado da igreja de Constantim (Vila real) a Caramos, aumentando assim os seus rendimentos (Fernandes 2011: 103).

No início do século XIV, em 1320-1321, o cenóbio já aparenta algum recobro económico tendo em conta as 500 libras que pagava de taxa, antevendo que já era possuidor de algum património com relevância (Fernandes 2011: 103).

No século XV o rol de igrejas anexas aumenta, para além das igrejas anteriormente referidas, acresce as igrejas de Santa Maria de Borbela (da qual Caramos teria o padroado desde 1258), S. Cristóvão de Candemil e S. Cristóvão de Lordelo (Fernandes 2011: 105-108).

Apesar de toda esta aparente estabilidade da casa monástica de Caramos no século XV, surgem sinais de da sua decadência. Essas dificuldades ficam patentes na eleição de um prior para o mosteiro em 1449, onde o arcebispo de Braga ordena ao seu vigário geral para confirmar o priorado a um dos cónegos da comunidade por não haver aí elementos suficientes para o elegerem (Fernandes 2011: 103).

O início do século XVI demonstra a continuidade das dificuldades de sobrevivência do mosteiro, sendo relatado numa visitação de 1528 que o mosteiro estava mal servido espiritualmente e mal reparado, elencando uma série de rapações que era necessário fazer (telhado, torre sineira, reparação de paredes, etc.) (Fernandes 2011: 104).

Em finais do século XV a gestão do mosteiro passa a ser feita por priores comendatários, corroborando a falta de elementos na comunidade monástica. O primeiro prior comendatário foi Pedro Barros que exerceu funções na segunda metade da centúria de quatrocentos, após a sua morte em 1492 o rei D. João II nomeou Diogo Lopes, o capelão da Rainha D. Leonor de Viseu, para comentário. Esta nova gestão do cenóbio por comendatários estendeu-se até a segunda metade do século XVI, o que em muito terá contribuído para a sua ruína (Fernandes 2011: 103, 380-383).

É sob a gestão do prior comendatário D. Gonçalo Pinheiro, bispo de Viseu, que no século XVI, voltamos a conhecer a real dimensão das propriedades do mosteiro e o seu estado. Neste tombo, realizado por João Martins escrivão do auditório eclesiástico do bispado de Viseu, de 5 de maio de 1554 são arroladas uma listagem extensa de propriedades que incluía o seu assento, casais (78), quintas (2), quebradas (10), aldeias (2) e igrejas (3) (ADB, L.268, fol. 1-92).

A descrição do assento do mosteiro de 1554 indicia que o cenóbio estaria rodeado de árvores, fruteiras, quebradas e campos, configurando-se um espaço idêntico ao atual, com o mosteiro isolado dos aglomerados populacionais. Fica também evidente que um portal marcava a entrada do mosteiro “a meça ahy a demarcar da porta principal do dito mosteiro”. As propriedades eram demarcadas por valados, pequenas faixas de terra baldia ou vegetação, que confrontavam com as estradas que iam para Amarante e Santo Amaro ou com outros casais e lugares, como é o exemplo de Lamesinhos (ADB, L.268, fol. 2 e 2v).

No couto e freguesia de Caramos, o convento possuía 12 casais e duas quebradas o que denota uma perda significativa das suas propriedades que foram arroladas em 1258. Em Felgueiras possuía ainda propriedades em Vila Cova (7 casais), Moure (1 casal), Refontoura (8 casais), Santão (3 casais), Airães (2 casais), Lordelo (1 casal), Pedreira (6 casais e 2 quintas), Macieira da Lixa (1 casal e o padroado da igreja) e o padroado da igreja de Pinheiro (ADB, L.268, fol. 2v-17). Para além da evidente perda de propriedades em algumas freguesias surgem novas propriedades em outras localidades que não estavam arroladas no século XIII.

As propriedades pertencentes ao mosteiro fora das circunscrições administrativas de Felgueiras também é significativo, possuindo duas casas na Rua dos Gatos (atual rua D. João I de Guimarães), uma quebrada em Lousada, sete casais em Arnozela, dois casais em Amarante, quatro casais em Celorico de Basto, uma quinta em Cabeceiras de Basto, 13 casais e duas aldeias em Vila Pouca, dois casais e a igreja de Borbela em Vila Real (ADB, L.268, fol. 17 e 92v).

O estado de abandono de seis casais e duas aldeias em Vila Pouca, descritos como locais ermos, demonstra que a decadência patrimonial também se estendia aos bens que o cenóbio possuía fora do seu assento (ADB, L.268, fol. 83v-87v).

Como já vimos, todo o século XVI é marcado pela gestão de comendatários, pelo que não é estranha a união deste cenóbio á Congregação de Santa Cruz de Coimbra em finais do século XVI. Esta união sucedeu em 1594 sob a égide do Papa Clemente VIII, apesar da posse efetiva só se ter dado em 1595 (Fernandes 2011: 104).

No século XVII desconhecemos a real dimensão do cenóbio e seus domínios, bem como o estado do seu assento e propriedades, contudo regista-se a reedificação da igreja que nos é descrita por Craaesbeck, denotando assim alguns sinais de recuperação.

Craesbeeck no breve enquadramento e descrição que faz em 1726, avança com alguns dados acerca da reconstrução do mosteiro no século XVII. De acordo com o autor em 1634 a igreja ainda se encontrava em pé, dando-nos indicações que ainda possuía a sua estrutura do século XII. Dois anos mais tarde, em 1636, determinou-se fazer uma nova igreja e mosteiro novo, tendo-se projetado e dado início a algumas obras que tiveram de ser abandonadas, tal era o programa dispendioso e ambicioso a que se propunham (CraesbeeK 1992: 17, 21-22).

Segundo este autor, junto ao edifício antigo deu-se início então a construção da nova igreja e convento e o qual descreve da seguinte forma:

O templo se fez de bastante grandeza, de uma só nave, todo em pedraria lavrada, com uma majestosa capella-mór, para o Nascente, com sua tribuna dourada, tudo com primor e arte e duas imagens de vulto, muito bem estofadas, de São martinho e Santo Augustinho, e dous alteres collectaraes: hum do Sancto Christo e outro de Nossa Senhora; e sobre a porta principal, que fica ao Poente, hum coro, muito asseado, todo cheio de coadros sobre as cadeiras dos santos da ordem, e hum órgão bem pintado e dourado; e pegado ao canto, da parte Norte, huma torre muito alta, em que estão os signos, que de muito longe se vê; e, sobre a dita porta principal, a imagem de São Martinho, de pedra. Tem huma bastante sancristia, em a qual se acham nas paredes della, vários painéis de singular pintura, que ficram da igreja antigua…

Pegado a dita igreja, está o mosteiro, da parte do Sul, fazendo huma vistosa frontaria para a parte Poente, dentro de hum grande pateo, com hum chafariz de ágoa no meio delle e huma boa galleria de janelas rasgadas e de assentos, em doces andares, e duas janelas mais, rasgadas para o adro da igreja ficando as cellas para o Sul e Nascente, que por todas são onze cellas, com a do prior no meio dellas, tem hum claustro, que tem de Norte a Sul 88 palmos, e de Nascente a Poente 92 (…) e o claustro tem por cada banda 4 arcos de pedraria lavrada (…) (CraesbeeK 1992: 22).

Nos inventários do século XVIII, de 1711 e 1770, são referenciados mais alguns pormenores acerca das dimensões da própria igreja: a nave possuía 112 palmos de comprimento por 40 de largura; a sacristia possui 76 palmos de comprimento por 30 de largura (Simaens 2013: 58-59).

Se analisarmos os dados métricos que acima figuram, percebemos facilmente que as dimensões da igreja e do claustro, do qual só existe a ala este, são similares as medidas que hoje possui, salvaguardando sempre o erro implícito da medição em palmos.

No século XVII a entrada para o convento ladearia a fachada da igreja, onde através das alas do claustro dotadas com quatro arcaturas, acederíamos ao pátio central que estaria provido de um chafariz. Se ainda olharmos atentamente para a ala este do mosteiro, que ainda hoje se preserva, facilmente deslumbramos dois arcos pequenos, um ainda serve de porta e outro está entaipado, que podem corresponder a duas arcaturas do claustro deste período.

A igreja ainda hoje conserva grande parte da sua estrutura do século XVII, mas como é evidente o edificado foi sofrendo várias intervenções até a extinção do mosteiro em 1770.

Um dos exemplos documentados é a diferença de vãos de janela que a igreja possuía no tombo de 1711, 4 janelas de vidraça, e no tombo de 1770, seis janelas com sanefas de talha dourada (Simaens 2013: 58).

Após a sua anexação ao mosteiro de Mafra em 1770 a administração do mosteiro passa a ser feita pelo cardeal da Cunha que vende parte do mosteiro em 1772 a José Pinto Coelho de Macedo e sua mulher. Vinte anos mais tarde, com a extinção do mosteiro de Mafra, os restantes bens do mosteiro de Caramos são anexos ao Mosteiro de Santa Maria de Refoios do Lima, onde permaneceu até a extinção das ordens religiosas em 1834 (Simaens 2013: 45).  

Talvez para assinalar a nova posse, em 1772, de parte do assento e convento está a inscrição na padieira do portal paralelo a igreja monasterial onde figura: ESTA QUINTA COM SEU PADROADO FOI VINCULO AO MORGADO DOS SENHORES DE SIMAES PELO SENHOR D: JOSE I NO ANO DE 1772.

Este portal é frequentemente designado de entrada para o couto, o que não é muito provável já que o couto de Caramos terá sido extinto em 1336 (Nóbrega 1997: 62).

A origem do brasão que encima este portal é mais dúbia, sendo atribuído a Gonçalo Peixoto Coelho Pinto Pereira da Silva que perdeu uma demanda em julgado a favor da câmara em 1775 (Nóbrega 1997: 62). Sem dúvida que o frontão circular interrompido com remate central triangular, onde se insere a pedra de armas, parece constituir um acrescento posterior ao portal.

A igreja atual de Caramos mantém o estilo maneirista do século XVII, com um portal de frontão triangular ladeado por dois pináculos piramidais sobre soco retangular. Entre os pináculos desenvolve-se um grande vão de janela retangular que termina junto de um friso de granito saliente. Sobre este friso desenvolve-se o frontão triangular com o nicho e imagem de S. Martinho ao centro, ladeado por dois pináculos em forma de urna sobre as empenas dos cunhais. Os cunhais, conjuntamente com a moldura do portal, cornija e moldura do janelão são em granito aparente saliente. A torre sineira, de planta quadrangular, está adossada no paramento norte da fachada, possuindo ela também frisos, cunhais e cornijas salientes em granito, sendo estas últimas coroadas por pináculos rematados por esferas no topo. No topo dos cunhais, gárgulas em forma de canhão garantiam o escoamento das águas da cobertura piramidal. A encimar a cornija, voltado a poente, possui um pequeno campanário de período anterior a construção da torre, talvez do edifício do século XVII.

No interior destaca-se o arcaz da sacristia, em pau preto, pintado com cenas orientalizantes de meados do séc. XVIII. A talha de estilo barroco nacional com arranjo posterior, joanino. Os caixotões do teto pintados também ajudam a criar um belo espaço marcado pelo barroco.

Bibliografia

Simaens, Sofia A.M.O.A. (2013) A Igreja do Mosteiro de S. Martinho de Caramos Inventário dos bens culturais: uma forma de reconhecimento do do património crúzio. 2º Ciclo de Estudos em História e Património – Ramo Mediação Patrimonial, (polifotocopiada). Faculdade de Letras do Porto.

Fernandes, M. Antonino (1989) Felgueiras de Ontem e de Hoje. Felgueiras: Câmara Municipal de Felgueiras.

Gomes, Paulino; Pinto, Ricardo; Arruela, Maria João; Rilley, Cristina (1996) Felgueiras: tradição com futuro. Paços de Ferreira,Anegia editores.

Nóbrega, Artur Vaz-Osório (1997) Pedras de armas e brasões tumulares do concelho de Felgueiras: heráldica de família. Felgueiras: Câmara Municipal de Felgueiras.

Portucale Monumenta Historica. Inquisitiones. Volume I Fasciculo I e II. Olisipone: Tipycs Academics, 1887.

Portucale Monumenta Historica. Inquisitiones. Volume I Fasciculo IV e V. Olisipone: Tipycs Academics, 1897.

Vimaranis Monumenta Historica: a saeculo nono post Christum usque ad vicesimum. Pars II. Vimaráne: A.L. da Silva Dantas, 1908.

Fernandes, Aires Gomes (2011) Os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho no Norte de Portugal em finais da Idade Média: Dos Alvores de trezentos à Congregação de Santa Cruz. Tese de Doutoramento (Polifotocopiada). Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Arquivo Distrital de Braga. Registo Geral. Tombo do Mosteiro de Caramos. Livro 268.

Craesbeeck, Francisco Xavier da Serra (1992) Memórias Ressuscitadas da Província Entre Douro e Minho no Anno 1726. Volume II. Ponte de Lima. Edições Carvalhos de Bastos.

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